Ronaldo Fraga não veio para aplaudir o seu meio, e sim questioná-lo. Esta foi a sensação deixada pelo estilista, um dos participantes do Brasília Cidade Design. O evento, que aconteceu em agosto, promoveu palestras, mentorias e oficinas com a temática Design Social, Inovação e Sustentabilidade.
“Quase tudo que a gente faz no design, não precisamos mais. A gente não precisa de mais de roupa, sapato, cadeira ou casa. Já temos tudo isso para uns trezentos anos”, afirma.
O estilista apresentou coleções com diferentes temáticas sociais. Na foto, trabalho realizado a partir do debate de imigração e refúgio (Foto: Nicolàs Villalobos).
Para além de dados relacionados à sustentabilidade, “a indústria da Moda é a terceira que mais produz resíduos e polui o meio ambiente. Há de se pensar duas vezes que produto é esse”, Fraga puxa a audiência pela sensibilidade do seu engajamento, pela maneira como inclui essas informações no seu trabalho.
“Moda fala de economia, antropofagia, história, laço, cultura, política. Foi por essa porta que eu entrei. Se hoje é normal contar uma história por ela, quando eu comecei não era bem assim. Eu recebia muita crítica de que aquilo que eu fazia parecia algo ‘carnavalesco’, de forma pejorativa”, lembra.
Diálogos sensíveis
Diálogo é uma palavra que segue o designer mineiro desde 1997, quando lançou a marca. Hoje, com mais de 40 coleções ao total, ele é conhecido por trazer à tona temáticas que, equivocadamente, são pouco associadas à Moda.
Ronaldo Fraga já abordou a questão de gênero com modelos transexuais e ressignificou o desastre de Brumadinho com a ajuda de bordadeiras da região. Em 2016, colocou idosos, refugiados e modelos plus size na passarela.
Registros de algumas dessas produções e conceitos foram levados ao encontro com a audiência. O designer mostrou vídeos de bastidores como exemplos bem produzidos do que chama de terreno espinhoso:
“A arte tem o poder de enxergar poesia em terreno árduo. E, às vezes, a Moda também”, ressalta.
Instrumento social
O designer cria com vontade de abraçar o mundo e de curá-lo. Ele usa a Moda como um instrumento de comunicação; catalisadora.
“Funciono como pontes entre esses Brasis com distâncias oceânicas cada vez maiores”. Incentivando sempre a visão aguçada sobre o mundo, afirma: “eu tenho certeza que educação e informação não estão só na academia. Podem estar, também, em uma coleção”, reflete.
Sobre o desfile com mulheres trans, ele explica que a ideia surgiu a partir do contato com matérias e dados alarmantes. “Vi uma conexão que tem tudo a ver com a Moda: o poder da escolha da roupa, quando ela se casa com isso que muita gente chama de alma através do uso de um salto, sutiã, vestido”, relaciona.
Ronaldo relembra os dias seguintes ao show: “uma delas me mandou uma mensagem falando que tinha sido transformador, porque o pai não falava com ela há 5 anos e, quando a viu na capa de um jornal, enviou um e-mail dando os parabéns”, fala sobre uma das garotas do grupo, composto por uma dona de casa, bancária, prostituta e funcionária pública.
Novos talentos
Aos que estão ingressando no design de moda, o estilista aconselha:
“É importante ter um olhar difuso. Moda é mais que roupa. Fujam das revistas, ali já está pronto. É importante que esse novo profissional esteja ligado não só às questões da criação em si, não só à economia, mas às pessoas do nosso tempo. Se não, corre o risco de repetir uma coisa caduca”, finaliza.