No dia 8 de julho, Laura Ancona Lopez, editora-chefe da revista Marie Claire, e Maria Laura Ferreira Neves, redatora-chefe da publicação, comandaram o workshop Jornalismo com recorte de gênero via plataforma Zoom. O evento destacou questões sociais importantes na linha editorial da revista, incluindo liderança, empoderamento, interseccionalidade e violência contra a mulher. O lançamento da edição de julho/agosto elegeu mulheres jornalistas – como Maju Coutinho, Andreia Sadi, Vera Magalhães entre outras – como personagens de capa, reforçando a representatividade feminina no jornalismo à frente da pandemia do novo Coronavírus (covid-19).
Marie Claire reuniu um time de jornalistas para as capas da edição impressa e digital de julho/agosto para mostrar a representatividade e a importância da profissão em tempos de pandemia. (Créditos: Reprodução/Marie Claire)
JORNALISMO FEMININO EM TRANSFORMAÇÃO
É fato que o ambiente on-line favorece a interação imediata, pois o isolamento é físico e não social. Minha experiência positiva ocorreu pela proximidade e pela chance de conhecer redações da grande mídia, como a equipe da revista Marie Claire. O título começa sua história na França de 1937 sob os olhos de uma sociedade atenta ao movimento sufragista na luta pelos direitos ao voto da mulher. Assuntos de moda e beleza eram os principais de uma revista feminina impressa. Em 1991, a publicação chega ao Brasil pela Editora Globo e se consolida no mercado ao longo da década.
Como em todo veículo de mídia, transformações ocorrem para atender novos públicos. A forma como as pautas foram incluídas na publicação mudaram pelo reposicionamento social da mulher. O público da revista Marie Claire na década de 80 é bem diferente daquele que acessa seu conteúdo pelo celular hoje. Do papel ao digital, outros olhares surgiram para o mundo. Pauta mais do que evidente, a transição impresso-digital já é consolidada. Durante o encontro, as jornalistas abordaram as mudanças ocorridas em função da pandemia e das novas formas de fazer jornalismo de revista que extrapola as páginas de papel.
“O fetiche de todo jornalista é ter sua matéria lida e ela vai ser no digital”, enfatizou a editora-chefe. Com a audiência digital ultrapassando a venda de revistas, o impresso passa a ser bimestral. Isso faz o texto ser mais duradouro, alcançando o leitor por mais tempo em matérias mais analíticas e profundas. É diferente do domínio digital com conteúdo factual, enxuto e certeiro. O jornalismo feminino também sofreu preconceito por profissionais da área. Maria Laura Teixeira Neves, redatora-chefe da publicação, reportou um caso de quando ingressou na equipe. Com cadeiras de editores ocupadas por homens, seu pedido de demissão do emprego anterior soou como retrocesso na carreira porque “escrever para mulheres é dar dois passos para trás”, declarou seu ex-chefe.
LINHA EDITORIAL DE ACORDO COM A MULHER CONTEMPORÂNEA
A linha editorial da revista, segundo as jornalistas, ressalta o olhar de gênero sobre a notícia com pautas relevantes à mulher de hoje, como política, economia, moda e bem-estar. O título foi pioneiro a ter uma mulher como editora-chefe e sua formação atual no Brasil também revela seus valores editoriais. É com base no empoderamento feminino e na liderança horizontal que Laura Ancona Lopez, ao assumir a revista há dois anos, montou um time formado por mulheres e que se tornou um statement. A interseccionalidade é percebida pela diversidade de mulheres jornalistas, fotógrafas, stylists, maquiadoras e designers de diferentes raças, etnias, corpos e orientação sexual. Assuntos como racismo, sexismo, gordofobia não sustentam a padronização de corpos que já pautou o jornalismo feminino.
A editoria de beleza, por exemplo, foi repensada para atender novos valores. As dietas, especialmente as famosas “receitas milagrosas”, não fazem parte da publicação. Na Marie Claire, beleza está em função do bem-estar e da saúde e não para atender um padrão de corpo. A plataforma Beauty Tudo oferece resenhas de produtos com variedade de marcas e públicos, sempre buscando o melhor. A moda também segue o mesmo raciocínio. Editoriais e temas são pensados pela diversidade na escolha de marcas, modelos e fotógrafos que construam imagens relevantes para hoje.
MULHERES, TRABALHO…
A edição de julho/agosto elegeu 26 jornalistas mulheres que assumem bancadas, microfones e textos na repercussão jornalística da pandemia do novo Coronavírus. A valorização dos direitos humanos, dando voz às mulheres, prioriza um olhar crítico e investigativo à notícia. A matéria de capa destacou momentos da carreira de cada uma, como a presença de Maju Coutinho na atualização diária das estatísticas da pandemia e os furos de Andréia Sadi, como a pergunta que viralizou no Twitter: “O Queiroz pulou o muro?” ao ex-advogado do senador Flávio Bolsonaro em entrevista ao Jornal Nacional no final de junho. No encontro, ainda foram mencionados os ataques do presidente à jornalista Vera Magalhães, apresentadora do programa Roda Viva da TV Cultura.
Liderando o Front da notícia, como declara a chamada de capa, a revista prestou uma homenagem ao trabalho jornalístico e à resistência feminina frente ao bom jornalismo; tão necessário aos tempos caóticos em que vivemos.
…E POLÊMICA!
Sobre a defesa dos direitos da mulher, conceito importante para o título, a editora-chefe chamou a atenção para o recebimento de denúncias e esclareceu a apuração dessas matérias. A polêmica envolvendo a acusação do ex-BBB Felipe Prior por tentativa de estupro repercutiu tanto na mídia quanto na redação.
Respeitando o sigilo das fontes de informação confiável, denúncias sérias mobilizam grandes esforços de toda a equipe, incluindo assessoria jurídica para análise do material recebido. Depois de ouvir o maior número de fontes possível, duas repórteres foram responsáveis pela condução do texto até a publicação. A redação da revista foi abalada pelo recebimento de uma pizza fantasma na casa de uma das colaboradoras com ameaças pelo conteúdo da matéria.
Durante o evento, a promotora de justiça Dulcineia Alves foi convidada e esclarecer alguns pontos sobre a violência contra a mulher. A experiência com o tema a fez perceber a condição emocional feminina frente ao machismo. “A violência é democrática e atinge todas as classes”, declarou a promotora. Relatando sua experiência profissional, exemplificou com depoimentos que tratam a violência doméstica como tabu. Problemas conjugais, familiares e sociais reforçam o argumento de que “(…) mas ele é pai do meu filho”. Para a promotora, “quando a mulher vai à delegacia, ela denuncia seu agressor interno”. Enfrentando o medo e as ameaças, a voz feminina também consegue se libertar de si mesma.
De todas as experiências on-line, talvez esta seja a mais humanizada e sincera de todas. É evidente que a força e a participação social da mulher ganha cada vez mais força com sua representatividade no mercado de trabalho. Para uma revista feminina como a Marie Claire, em tempos de empoderamento, não faz sentido dedicar uma capa a uma atriz de novela. Jornalistas e profissionais da saúde estão à frente de uma das maiores crises sanitárias, econômicas e políticas da história e incluir a mulher na produção intelectual é sinal de novos tempos e de muitas conquistas. O mundo mudou e as tentativas de compreendê-lo acompanham seu ritmo.