Opulência recatada e sofisticação (com um twist punk) se fundiram para compor o luxo da coleção de Alta-costura do outono 2020/21 da Chanel, por Virginie Viard, divulgada em 07/07. A apresentação, porém, não poderia ter sido feita de forma mais infeliz: um vídeo de pouco mais de um minuto (e com o uso de um filtro preto e branco que beirou a indecência) revelou criações inspiradas nas noites de Karl Lagerfeld, o ex-diretor-criativo da maison, nas festas de Paris dos anos oitenta.
Essa foi a primeira vez que Viard homenageou o kaiser desde que assumiu o ateliê Chanel em fevereiro de 2019. Mas, enquanto as peças foram dignas da memória de Lagerfeld, o vídeo divulgado pela maison foi um reflexo simplista em um espelho quebrado de uma marca que, um dia, já produziu alguns dos desfiles mais grandiosos da Moda.
Ainda que o cenário pandêmico global seja responsável por reduzir as expectativas sobre as apresentações, é injustificável que o nome Chanel tenha recorrido a uma forma tão simplória para revelar a expressão mais luxuosa de moda (a Alta-costura).
O vestido com renda cor-de-rosa é uma das peças que melhor transmite o espírito rebelde de Diane de Beauvau, inspiração para Viard. Outras peças da coleção traziam ricos bordados coloridos, ocultados pelo filtro preto e branco das fotografias divulgadas pela Chanel. Crédito imagem: vogue.com
Trabalho em Equipe
As inspirações de Virginie para essa temporada foram as festas e as musas com as quais Karl Lagerfeld se rodeava há quatro décadas nos sofisticados clubes noturnas de parisienses, como o Le Palace e o Les Bains Douches. A princesa Diane de Beauvau-Craon é uma das figuras luxuosas que tornaram algumas dessas noites lendárias. Aristocrata rebelde, seu espírito subversivo pode ser percebido entre as criações de Viard na forma de um vestido de renda preta, branca e rosa vibrante, ou nos cortes de cabelo curtos, deliciosamente bagunçados e enfeitados com pequenos adornos frontais de plumas, confeccionados pela maison Lemarié.
União Desastrosa
É bem verdade que a cartela de cores escolhida para essa temporada representou um feliz afastamento da estética sóbria e monótona da última coleção de Alta-costura (basicamente em preto e branco, inspirada na austera infância de Coco Chanel). Mas ainda que novos tons tenham sido incorporados, de nada adianta se o vídeo (vergonhosamente curto) e lookbook, obra do fotógrafo Mikael Jansson, tenham sido mergulhados em um filtro tediosamente bicromático.
Um dos vestidos de tweed, por exemplo, foi bordado com flores que traziam tons de verde, amarelo, azul, rosa e laranja. Contudo, Jansson optou por mostrá-lo em preto e branco. Além disso, os cortes rápidos e a distância da câmera em relação às peças prejudicaram profundamente a visualização da coleção e suas particularidades.
Essa foi a primeira vez que Jansson colaborou com a Chanel, o que provavelmente foi o fator responsável pelo aparente descompasso entre criação e apresentação. Apesar de talentoso e significativa bagagem (ele já trabalhou para nomes como Louis Vuitton, Dior e Armani), a impressão que se tem é a de que Jansson não soube capturar o universo profundo e minucioso dos detalhes da maison.
A estilista também incorporou diferentes tons de azul à coleção, fazendo uso de bordados, pedrarias e botões para alcançar o luxo Chanel. As plumas que enfeitaram alguns dos penteados das modelos ajudaram a compor a estética punk aristocrática desta temporada. Credito da imagem: vogue.com
À espera do presencial?
Virginie Viard dificilmente é uma mente inovadora ou revolucionária, como foi seu mentor, antecessor e homenageado da vez. Mas sabe, com pouca dúvida, explorar os detalhes em suas coleções e trazer elementos tradicionalmente associados ao nome Chanel e, para isso, tem à sua disposição ateliês referência na produção de plumas, bordados e joias.
Entretanto, sem uma boa direção fotográfica, todo o esforço é desperdiçado e impede que esse savoir-faire seja apreciado ao máximo por entusiastas fora do diminuto nicho de consumidores da Alta-costura e que, provavelmente, jamais terão contato com essas peças. O que resta é a mesma percepção de Suzy Menkes, editora internacional da Vogue: “O veredito? Frustrante. Felizmente, há uma apresentação ao vivo planejada para ocorrer em outubro”. Quem sabe o retorno das apresentações presenciais não devolva a dignidade que merece o trabalho de Viard.