VOCÊ ESTÁ LENDO >> Mary Quant: a revolucionária feminista por trás da criação da minissaia
POR Júlia Vilaça | 16 de abril

A história cheia de desejos por mudanças sociais na vida de Mary Quant, que morreu deixando um legado além da minissaia

Good taste is death, vulgarity is life. Um das frases mais famosas de Mary Quant diz muito sobre seu trabalho. Não é a toa que a notícia de sua morte no último dia 13 foi estampada nos principais veículos de comunicação de todo o mundo sempre atrelada à duas palavras: “mulher revolucionária”.

Mary não ficou conhecida desta forma por um acaso. Na década de 1950, a designer londrina percebeu que “não tinha tempo para esperar a liberdade feminina”. Foi a partir daí que passou a militar a favor de uma revolução na moda: ela queria que as mulheres de sua geração pudessem se vestir como quisessem. 

 

Foi o desejo pela liberdade feminina que fez Mary Quant usar a moda como instrumento de luta. (Foto Reprodução/Marie Claire)

Ao lado do marido, a jovem abriu em 1957 a Bazaar, a primeira loja do casal que ficava localizada na King’s Road em Londres e se tornou um dos points mais badalados da região do Chelsea. Grandes nomes como Brigitte Bardot, Audrey Hepburn, os Beatles e os Rolling Stones se tornaram frequentadores da loja e o restaurante localizado no porão passou a ser o hotspot dos jovens londrinos sedentos por novidades e, também, por revolução e mudança dos padrões vigentes.

Política, moda e cultura: Swinging Sixties

No período pós Segunda Guerra Mundial, o sentimento de otimismo aflorava, os movimentos culturais efervescem e o questionamento de costumes ganha espaço na cidade de Londres. Surgiu então, o Swinging Sixties, revolução cultural impulsionada pela juventude que ocorreu no Reino Unido durante meados da década de 1960, enfatizando a modernidade e o hedonismo divertido, com Swinging London denotado como seu centro.

Dentre alguns dos líderes do movimento do período, estão os Beatles, vistos como os líderes multimídia da invasão britânica de atos musicais; as subculturas mod (se referindo a “modernismo”) e psicodélicas e modelos que se tornaram populares como Twiggy e Jean Shrimpton.

A descrição em primeira pessoa de Dee Gordon para The History Press nos permite entender melhor o cenário de Londres da década de 1960: “Se você não era um adolescente nos anos 60, é provável que eles não balançam muito para você (“not swing too much” — fazendo uma brincadeira com o nome dado a época). No entanto, a classe trabalhadora passou a ter voz nas telas e na literatura; e adolescentes [como eu] descobriram que havia muitos empregos disponíveis. Tínhamos nossas próprias roupas pela primeira vez, não mais desejando nos vestir como nossos pais. Tínhamos nossa própria música, nossas próprias danças e salões de dança, nossa própria língua e nossa própria voz (…)”.

 

A liberdade do vestir e mostrar as pernas ganha as ruas britânicas e ganham o mundo. (Foto Reprodução)

Foi na mesma época que a Segunda Onda Feminista nasceu. A partir deste momento, a luta das mulheres ampliou o debate para temas como sexualidade, família, mercado de trabalho, direitos reprodutivos e desigualdades legais de gênero. Com essas pautas em andamento, em 1961, o Reino Unido autorizou a comercialização das pílulas anticoncepcionais. Era um momento positivo para as mulheres em termos de ganho — gradativo — de liberdade, tanto sexual, quanto como cidadãs. 

Cada vez menos mulheres queriam ficar em casa cuidando dos filhos e queriam ganhar as ruas, o mercado de trabalho e as indústrias. Queriam ter o direito de ir e vir quando quisessem, de usar o meio de transporte que preferirem e, acima de tudo, fazer suas atividades com roupas mais confortáveis e que concedesse mais liberdade aos movimentos exigidos no dia-a-dia de uma grande cidade como Londres e Paris. 

A subversão feminista de Mary Quant

Para dar mais liberdade física às mulheres, Mary passou a encurtar cada vez mais a bainha de suas saias e das de suas clientes. O cumprimento das peças não cobria mais os joelhos e apresentava recortes e tecidos muito diferentes dos tradicionais da época. Assim, surgiu a minissaia — nome dado por Mary às saias curtas em homenagem ao modelo de carro que mais gostava. 

Por mais que os franceses atribuem os créditos da minissaia a André Courrèges, foi Dame Mary que a disseminou de forma massificada. Líderes feministas de referência da época, como Germaine Greer e Gloria Steinem passaram a usar os modelos nos protestos e manifestações a favor da igualdade de gênero. É um clássico da sociedade machista patriarcal direcionar críticas à mulheres pioneiras e à frente do seu tempo. Afinal, questionar certas dinâmicas de poder e exigir que padrões sejam quebrados nunca foi visto com bons olhos pelos indivíduos em posições de autoridade. E com Mary não foi diferente. 

Mary Quant tinha como força motriz o seu sonho de ver uma sociedade mais justa em relação à equidade de gênero. (Foto Reprodução)

Quanto mais mulheres usavam as minissaias, mais incômodo elas causavam. Coco Chanel ao comentar sobre o tema insinuou que todos estavam ficando loucos, uma vez que, aos olhos da designer conservadora — e de outros indivíduos da sociedade da época — mostrar as pernas era algo vulgar. 

Mas comentários assim não foram suficientes para impedir que as mulheres se apaixonassem pelo modelos mais curtinhos, que, à época, eram usados com meia-calças coloridas e botas de cano alto.  Foi assim, criando para as jovens da época aquilo que elas queriam vestir, que em uma espécie de “trickle-up” a tendência saiu das ruas e atingiu a alta sociedade. Grandes marcas como Dior passaram a incorporar o modelo nas passarelas e o frisson em cima da peça aumentou.

Visão vanguardista e empreendedora 

Mary Quant era uma forte defensora da democratização da moda. Sempre em busca de oferecer uma cartela cada vez maior de peças a preços acessíveis, a designer desenvolveu uma série de estratégias de negócio. A massificação da produção e a venda do tecido no metro com as estampas exclusivas da marca permitiram que mais pessoas usassem suas criações e que pudessem costurar os modelos que quisessem seguindo a desejada cartela de cores e desenhos de sua marca.

Aos poucos, Mary e seu marido foram abrindo outras lojas em Londres e, anos depois, em outras cidades do mundo.  Outra famosa peça que Mary Quant teve crédito foi a hot pant. Em suas peças, os shorts curtos grudados ao corpo serviam como parte debaixo de vestidos com transparência ou que eram muito acima do joelho.  A dinâmica foi a mesma da saia. A designer criou para as mulheres reais, cumprindo com as exigências de estilo e preço da população trabalhadora e atendendo a um público carente de atenção e acesso no que tange o acesso à peças com informação de moda. Suas criações ganharam as ruas, chamam atenção e logo eram vistas nas vitrines de grifes de luxo. Mary Quant trouxe para o mercado de moda sua visão pioneira e fez história. 

Além de ter criado uma segunda linha com preços ainda mais acessíveis, a Ginger Group, ela desenvolveu uma marca de cosméticos, linhas de óculos e muito mais. Em uma visão macro 360º, a empresária, designer e revolucionária conseguiu romper padrões, empoderar mulheres com suas criações e contribuir para a luta feminista da liberdade vestuária. Afinal, como ela defendia, a vulgaridade era um ato de resistência e de questionamento do padrão social vigente. E, por mais que fosse extremamente criticada pelas classes mais altas que afirmavam que ela estava roubando a elegância das mulheres, Mary nunca duvidou de que “bom gosto é morte, vulgaridade é vida”. Tanto nas roupas, quanto nos direitos.



ESCRITO POR Júlia Vilaça
Apaixonada por moda e política, a jornalista acredita que o futuro do setor deve ser construído através da colaboração, informação, sustentabilidade e pluralidade. É repórter freelancer e produtora de conteúdo de moda para redes sociais.

Apaixonada por moda e política, a jornalista acredita que o futuro do setor deve ser construído através da colaboração, informação, sustentabilidade e pluralidade. É repórter freelancer e produtora de conteúdo de moda para redes sociais.

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