VOCÊ ESTÁ LENDO >> Fure a bolha: chegou a hora do streetwear brasileiro ganhar destaque global
POR Júlia Lyz | 5 de setembro

A consolidação da moda de rua brasileira e como designers de marcas nacionais chegaram a showroom em Paris.

Alfaiataria sob medida, peças com aspecto molhado – mesmo quando secas -, mochilas com sistema de drenagem para objetos úmidos ou sujos, casacos com sistema ‘face covering’, bolsas com alças removíveis em corda 100% PET reciclado e lojas com longas filas de consumidores ansiosos pelo lançamento de um novo drop podem parecer características de uma moda distante, avançada e internacional, mas, na verdade, pertencem a marcas de streetwear brasileiras.

Com certeza o termo ‘roupa de rua’, ou melhor, streetwear já cruzou o seu caminho. Mas, para além de uma tendência, esse tipo de moda – originária dos Estados Unidos no final dos anos 1970 – transpassa as vestimentas e engloba movimentos de contracultura e de expressão, provoca impactos sociais e é entendido como uma comunidade – para aqueles que estão com os olhos abertos para enxergá-la. Como o próprio nome já diz, ele nasce de baixo: das ruas e de seus grupos marginalizados, afinal, as ruas nunca pertenceram às elites, e sim, ao povo.

A chegada no Brasil

No Brasil, ele chega a partir dos anos 2000 com a cultura sneaker. Mas todas as peças disponíveis que se tornaram itens de desejo por aqui, ou eram importadas, ou possuíam características que retratavam mais estilos de vida estadunidenses do que brasileiros. Isso é um problema? Depende. Por um lado, não há objeções sobre consumir o que se quer, mas por outro, será que essa não seria mais uma maneira de nos afastar de nossa própria cultura por achá-la inferior? Afinal, se estamos falando sobre estilo de rua, não é possível distanciá-lo da realidade de cada país ou região. Assim, o streetwear no Brasil não é e nem deveria ser o mesmo dos EUA.

Mas a contar de 2010 os ares mudam e uma nova safra de designers floresce: PACE, Class, Quadro Creations, MAD Enlatados, High Company, DOD Alfaiataria, Carnan, PIET, Barra Crew, Sufgang e Pornograffiti são algumas das marcas que aparecem para contar uma nova história e mudar o rumo da trajetória da nossa moda urbana. Em um país em que a síndrome do vira-lata faz parte do DNA de todos os brasileiros, exaltar estéticas não apenas nacionais, mas das ruas, é um ato político e revolucionário. Os fundadores destas, entenderam que cada um traduz e representa a cultura urbana de um jeito. “A partir do momento que temos referências, passamos a perseguir imagens e construir nossa identidade dentro das bolhas que vivemos. E quanto mais referências você tem, mais você consegue se expressar e fortalecer de onde você vem, quem você é e o que você pensa”, afirma para a IAM, Juares Tenório, mais conhecido como Jubba Sam – fundador da DOD Alfaiataria.

 

Imagens de reprodução | Class

Das ruas brasileiras para Paris

Um evento recente fruto desse insight foi o projeto Je M’apelle Brasil, idealizado por Samir Bertoli, em que 6 dessas marcas montaram um showroom em Paris durante a semana de moda masculina de primavera/verão 2024 com o intuito de quebrar estereótipos sobre o Brasil e mostrar que aqui também se faz moda autoral, “as pessoas não tinham noção que existia algo do tipo aqui, nesse nível de qualidade com produção 100% nacional e que esta roda a economia local”, conta Lucas Borges, fundador da Quadro Creations. A partir de agora, os entrevistados para esta matéria acreditam que o processo de inserção dessas marcas em grandes veículos de moda – que ainda estão viciados nos mesmos assuntos e atuando em um modus operandi antigo – vai ser gradual, à medida que forem conquistando mais espaços e furando mais bolhas.

O diferencial de quem está se consolidando no mercado hoje é que evoluíram do típico streetwear resumido a camisetas gráficas e bonés para modelagens perfeitas, designs inovadores, identidades consolidadas e concepções consistentes. Se para os estadunidenses foram o hip-hop, o rock, o punk, o skate e o surf que impulsionaram combinações e jogos de códigos estéticos inéditos, para os brasileiros foram o funk, o pixo, o futebol (alô, blokecore? Nas comunidades isso é moda faz tempo!), a periferia, as gírias de rua, o skate e todos os elementos que fazem parte do dia a dia brasileiro – em qualquer região. Fundada por Eric César e Rafaela Sayuri, a Class é uma das que se destaca por trazer referências que qualquer conterrâneo que vive a rua irá reconhecer, não só em seus produtos, mas em toda a sua comunicação: o clássico copo americano presente em todos os butecos, o whisky com gelo de água de coco, a cultura de criar e empinar pipas, o pão francês com cafézinho e o mascote da Chaves Gold são apenas algumas das inspirações. Já Pedro Andrade, da PIET, se uniu a Oakley – marca característica da cultura periférica – em um de seus lançamentos para reinterpretar alguns clássicos emblemáticos, apresentando designs extremamente disruptivos e ao mesmo tempo familiares.

Quadro Creations, PIET, Carnan, PACE, Mad Enlatados e Sufgang

Uma nova era

Como resultado desta nova colheita temos produtos esgotados, consumidores fiéis e uma comunidade unida. Ao entrar neste universo, Luiz Navarro – representante e administrador da Sneakerfly – diz que mudou não apenas o seu jeito de vestir, mas passou a admirar o estilo e abriu a sua mente em relação a esse tipo de moda. Jubba, Bruno Luciano – co-fundador da Notthesamo – e Lucas concordam que a união entre pessoas da moda urbana nacional se dá principalmente pelo fato de virem de lugares sem privilégios e todos quererem alcançar o mesmo objetivo: a valorização. “Se as marcas se aproximarem para tomar decisões conjuntas que podem afetar e redirecionar o mercado de streetwear e a maneira como as pessoas compram, a possibilidade disso acontecer será muito maior” continua Lucas, para a IAM.

Hoje podemos afirmar que o streetwear no Brasil amadureceu e conseguiu abrir caminho para que novas marcas possam se desenvolver com maior aceitação. A virada de chave para os designers nacionais foi, como concordam os entrevistados, a dupla, pandemia e TikTok. Jubba traz a reflexão: “quantas marcas naturais brasileiras tínhamos em nosso radar antes da pandemia? E quantos temos depois?” Com a alta do dólar, os produtos importados pararam de chegar e a opção foi recorrer ao que tínhamos aqui e com o boom do TikTok, ocorreu a “ampliação” da rua, onde as pessoas conseguiram encontrar os ecos de suas identidades e desejos na tela do celular, originando novos conteúdos sobre esse tipo de moda . Assim, bolhas começaram a se estourar e o mercado de 5 anos atrás já é irreconhecível. Se antes cabia aos criativos educarem o público sobre o consumo nacional, hoje os drops esgotam pouco tempo após seus lançamentos. “Essas marcas se mantiveram fiéis a suas origens e vivências, construindo uma história em todas as frentes de comunicação” foi o que falou Henrique Correa – estudante de moda e co-fundador da Friday Seshs.

Definir o que é o streetwear brasileiro não é uma tarefa fácil, e ao serem questionados, os entrevistados tiveram dificuldade em chegar a apenas uma resposta já que o país é extremamente plural e resultado de uma grande miscigenação, mas se podem dizer algo, é pedir para que saiam cada vez mais de suas zonas de conforto e que experimentem coisas novas, o Brasil é muito grande e se você procurar, irá encontrar pessoas comprometidas contando histórias que valem a pena serem ouvidas e consumidas.



ESCRITO POR Júlia Lyz
Formada em Publicidade e pós-graduanda em Negócios e Estética de Moda pela USP. Tem um olhar em moda para
além da roupa, se interessando pelo segmento sociológico e cultural da área.

Formada em Publicidade e pós-graduanda em Negócios e Estética de Moda pela USP. Tem um olhar em moda para
além da roupa, se interessando pelo segmento sociológico e cultural da área.

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