A moda quando flerta com a literatura e fatos históricos faz muita gente vibrar com o resultado sensorial. Na última segunda-feira (21/09), o canadense Erdem Moralioglu apresentou, no antigo Bosque de Epping, em Londres, o desfile de primavera/verão 2021 de sua marca homônima, fundada em 2005. Os 37 modelos que compuseram a coleção foram inspirados na obra que acompanhou o estilista durante os últimos meses de quarentena: “O Amante do Vulcão”, de Susan Sontag, publicada pela primeira vez em 1992. O romance histórico é ambientado na Era Regencial (1795 – 1837) e se baseia na vida escandalosa de Emma Hamilton, uma das mais famosas cortesãs da Inglaterra e amante de Lorde Nelson, arqui-inimigo de Napoleão Bonaparte.
Estética feminina das roupas com o olhar para um futuro de pouco controle é a reflexão que a Erdem traz para a passarela ao unir sua narrativa à história de uma cortesão inglesa | Foto: Reprodução The Impression Courtesy of Press Office
REFLEXÕES, CONTRASTES E SHAPES
Construindo um paralelo entre dois momentos de crise (a época de Emma, marcada por guerras e revoluções, e o atual cenário pandêmico global) através de suas criações, Erdem fez jus à sua proposta de encontrar, com a nova coleção, “a beleza em um tempo que é feio”. Um dos vestidos compridos em branco (em estilo chemisier, comum no fim do século XVIII), ostenta uma profunda gola U, estampa floral vermelha, um longo lanço negro amarrado na frente, outro no ombro direito e um terceiro na altura do decote, e mangas curtas bufantes, moda que evoca o ideal de beleza clássico que, sem dúvida, Emma teria adorado e ajudado a popularizar.
Além disso, Erdem referenciou a vida militar do famoso amante de Emma, o almirante Horatio Nelson, na forma de jaquetas e outros casacos similares aos redingotes – igualmente populares na época. É o caso de um exagerado casaqueto em jacquard verde-oliva, com fitas de gorgorão na cintura e bordados negros nas mangas, bem como da comprida jaqueta em azul marinho com estampa de flores brancas, acompanhada de um vestido nos mesmos tons e um par de longas luvas pretas. O comprimento das peças revela sapatos plataforma (presentes em todos os looks), e que divergem discretamente da leveza e sutileza da estética regencial.
A maioria das modelos trazia no pescoço um lenço branco, enfeitado com um laço de gorgorão colorido. Em um deles, pendia um delicado pingente de pérolas, que caía sobre um vestido branco (similar às famosas gaulles da época) e cuja cintura foi marcada com três finas fitas negras na frente. Esse tipo de vestido foi popularizado na Inglaterra ainda antes de Emma por sua predecessora em matéria de estilo, a Duquesa de Devonshire.
Os vestidos chemisiers eram muito utilizados na Inglaterra do final do século XVIII, em especial a “gaulle”, popularizada pela Duquesa de Devonshire e revisitada por Erdem nessa coleção. O estilista também incluiu entre os modelos elementos mais modernos, como os decotes amplos e os cardigãs. | Foto: Reprodução The Impression Courtesy of Press Office
Mas há também muito do moderno nas criações de Erdem, como o decote amplo, revelando os ombros, muito explorado por Christian Dior nos anos 1950, que aparece em um casaco branco com flores pretas e amarelas amarrado na cintura, sobre uma saia estampada com plantas em verde escuro. Outro elemento de tempos mais recentes é o cardigã (em tons de verde e ocre), em referência ao guarda-roupa da autora por trás da obra inspiradora da coleção, Susan Sontag, assim como as calças, que também marcaram presença (o jeans faz uma única e discreta aparição por debaixo de uma saia longa abotoada, com estampa de flores vermelhas e azuis).
O estilista aproveitou a estética regencial de Emma Hamilton, com os vestidos longos e as mangas curtas bufantes, mas tomou liberdade na cartela de cores. Alguns elementos militares, como as jaquetas longas e os casquetos, referenciaram a relação da cortesã com o almirante Nelson, inimigo de Napoleão Bonaparte | Fotos: Reprodução Vogue).
TOM ESCAPISTA PARA UM VIDA COTIDIANA DE DESAFIOS
As referências seculares de elegantes cortesãs, mescladas a banalidade das peças contemporâneas, revelam não apenas a harmonia das peças de Erdem com a nova estação – através das estampas florais –, mas também constróem a mais adequada idealização para o momento atual: aquela em que esforça para florescer diante das dificuldades. E que melhor época para fazer prosperar os encantos pessoais se não a primavera?