As imagens chocam e o cenário social que a indústria da moda afeta são de fazer refletir e colocar qualquer cidadão-consumidor em uma perspectiva de desejo de mudança. Pense na cena: cerca de 130 mil habitantes que vivem à beira da miséria, num calor extenuante que contraditóriamente dá um frio na espinha, com uma nebliba intensa de areia e terra até onde a olho alcança têm como lugar de trabalho e vida montanhas de pilhas de roupas. Vale dizer: montes colossais com etiquetas que vêm dos Estados Unidos, Ásia e Europa. Esse é o retrato da comuna de Alto Hospicio, no deserto do Atacama, no Chile. Um local que é um dos pontos turísticos mais bonitos da América do Sul também divide em sua geografia e estatística um dos maiores “lixões a céu aberto”.
Deserto do Atacama é um dos principais lixões da moda quando o assunto é descarte de roupas feitas pelas grandes marcas globais. É necessário pensar sobre os resíduos e como o mundo irá conviver com esse problema que já é urgente. (Foto: Reprodução AFP)
Das 59 mil toneladas de roupas importadas que entram pelo porto na Zona Franca de Iquique (uma comuna do Atacama) por ano, grande parte é jogada fora porque não é vendida. Nesse processo, os vendedores locais garimpam peças para vender nos comércios e as com piores condições são descartadas. Há também aquelas que nem chegam ao porto. Em vez disso, acabam com caminhoneiros que as levam até a periferia de Alto Hospicio e passam por outro processo de revenda em feiras da região.
O programa Profissão Repórter, liderado pelo jornalista Caco Barcellos na Rede Globo, entrevistou Manuela e Manoel, um casal que vive há mais de vinte anos no deserto. Manuela conta à reportagem que ia ao lixão procurar roupas em boas condições ou que poderiam ser aproveitadas para revender aos finais de semana na feira da cidade, assim como muitos moradores. “As roupas boas, as roupas de marca, nós lavávamos, passávamos e levávamos para vender no fim de semana”, conta a moradora ao programa.
No Chile há um decreto que não permite que essas roupas sejam descartadas em aterros sanitários comuns por não serem biodegradáveis e por possuírem componentes químicos muito inflamáveis. Por isso, acabam em lugares clandestinos e causam inúmeras consequências para a população local.
Um incêndio aconteceu há alguns anos no mesmo local por causa desse descarte. Isso fez com que os moradores da região abandonassem suas próprias casas e sem um destino certo para ter como um novo lar. Como “solução” e para diminuir o risco de chamas, caminhões enterram alguns dos montes de roupa na areia, na tentativa de “esconder” o problema e adiar o próximo acidente.
De acordo com uma pesquisa feita pela ONU em 2019, a indústria têxtil é responsável por 20% do desperdício de água global. Além disso, o órgão também denomina o fenômeno desse consumo desenfreado como “uma emergência ambiental e social” para o mundo.
E qual seria a solução para este problema mundial?
A esperança não é grande, principalmente para os moradores locais. Mas há uma quantidade de empresas, iniciativas e ONGs motivadas a mudar essa realidade. A startup chilena EcoFibra, localizada em Alto Hospício, usa os restos de tecido para produzir painéis de isolamento residencial. Em entrevista National Geographic, o fundador Franklin Zepada diz que a ideia surgiu quando ele percebeu que a enorme quantidade de resíduos têxteis poderia ser usada para reciclagem. Mais de 100 casas já foram construídas com esses painéis e 4% do descarte já foi reutilizado.
Como um exemplo mais próximo, temos a Semana Fashion Revolution, um movimento global (com grande presença no Brasil) que pensa os impactos da indústria da moda no mundo. A Semana nos convida a pensar sobre a transparência e a ética das empresas através da educação e da reflexão, que geram ações práticas e mobilizadoras.