Em um mundo cada vez mais acelerado, falar de roupas pode parecer irrelevante. Para alguns, a moda ainda é vista como futilidade, mas é o radar do mundo. Em mais de 10 anos no jornalismo feminino, Andreia Meneguete está há 3 anos à frente da IAM Inteligência em Moda, um hub de conhecimento, para quem pensa e faz moda, com mentorias, cursos, palestras e grupo de estudos.
“O jornalismo de moda não se trata apenas de informar o que será vestido nas próximas estações do ano, assistir a desfiles ou saber a cor tendência da nova estação. É muito mais do que isso, é sobre sociedade e suas manifestações”, sinaliza Andreia Meneguete
É a paixão pela moda de uma perspectiva crítica e pela experiência em grandes títulos – como Glamour, Vogue e Elle Brasil -, que a jornalista diz o que é preciso saber sobre jornalismo de moda que se reinventa em meio a tantas transformações sociais e tecnológicas.
Ligando o radar
É essencial saber o que acontece no mundo. Assim como em outras áreas do jornalismo, trazer informação relevante e de qualidade é fetiche de todo jornalista. Na moda, isso não é diferente. Portais como WWD, FFW, The Cut, BOF, The New York Times, além de títulos nacionais e internacionais, como jornais e revistas de moda, são fontes de inspiração para pautas, matérias, além de referências de imagem e texto. É como um moodboard que afina o faro para a notícia inédita: o famoso furo jornalístico.
“Ser jornalista é entender de tudo um pouco para identificar o que impacta a moda em sentido amplo”, afirma a jornalista Andreia Meneguete. Isso mostra o quanto a moda está ligada ao Zeitgeist (espírito do tempo) e como reflete as transformações na política, na economia e em tantos setores que afetam a produção de roupas, as propostas de marcas e novos comportamentos de consumo.
No meio de tanta informação, é preciso buscar e cultivar fontes confiáveis e consistentes para fazer jornalismo sério. Checar fatos é garantia de credibilidade em qualquer mídia. “Ser jornalista exige observar a sociedade, ser responsável pela tradução de códigos e comportamentos sociais que nos rodeiam”, enfatiza Meneguete. Em tempos de fake news, todo cuidado é pouco.
Cultura e crítica de moda
Nem só de roupas vive o jornalismo de moda. Com as transformações da mídia para o ambiente digital, o bom jornalista deve estar atento ao movimento do mundo e à moda que acompanha esse ritmo.
Desfiles abandonaram salas abarrotadas de flashes e se proliferaram em alta resolução com criatividade, inovação e certa dose de escapismo. Cenário, trilha sonora, efeitos especiais, casting e tantos outros formatos deram à passarela uma nova função que deixa de observar apenas a roupa em movimento. Com olhos e sentidos bem abertos, a crítica lê a moda com lentes de aumento para avaliar estilos, apostas e percalços de criações e criadores.
“Ser jornalista exige observar a sociedade, ser responsável pela tradução de códigos e comportamentos sociais que nos rodeiam”, enfatiza Andréia Meneguete.
Dando à moda um viés cultural, tecidos, cores e modelagens são vistos em um conjunto social. Por isso, para entender tantos conceitos e criações, a cultura de moda é tão essencial para perceber significados e referências passarelas afora. Esse olhar apurado vai além ao relacionar o que estamos vivendo em face de como a moda reflete esse pulso do mundo. Um movimento de mão dupla impulsionado pela novidade em direção ao futuro.
Capas de revista são um dos exemplos de como a imagem na moda traduz o espírito do tempo. É o caso das edições brasileiras de Elle e Vogue ao retratar duas estéticas de corpo diferentes e que já sinalizam quebra de padrões.
Costurando ideias: o texto de moda
Em se tratando de jornalismo, momentos únicos são transformados em textos. Após o trabalho de apuração cuidadosa, o texto pede objetividade, clareza, rigor na escolha de palavras e formatos certeiros. Um bom trabalho jornalístico costura ideias para prender o leitor até a última linha.
Além do modelo clássico – o lead jornalístico que responde às perguntas O que? Quem? Quando? Onde? Porque? – a pauta é um documento que esclarece como o texto será escrito e publicado. Em um veículo de comunicação (revista, jornal ou site), editorias separam assuntos diferentes. A partir de um tema, o recorte será aprofundado por um especialista no assunto – as famosas fontes. Decidindo a existência da matéria, um bom gancho é necessário para publicar o texto na hora certa e com o apoio de imagens que ajudem a compreensão.
Semiótica da moda: cada revista trabalha a construção de uma imagem de moda levando para o seu leitor a sua linha editorial e forma de ver o mundo
Para muitos leitores, existem diferentes publicações. Gisele Bündchen é uma personagem bastante recorrente em matérias de moda. Inúmeros veículos já a abordaram de acordo com sua linha editorial. Se o corpo da modelo é alvo de um portal de saúde, o convívio com a família e a educação dos filhos é a chamada de capa de uma revista de comportamento feminina cujo público certamente já passou pela maternidade. Para cada linha editorial, um enfoque diferente.
Além das técnicas do jornalismo, é preciso ter conhecimento para enriquecer o texto. Assuntos que cercam a moda são importantes para produzir pautas cada vez mais antenadas. História da moda, Sociologia, comportamento de consumo, além de construção e posicionamento no ambiente digital servem de base para conhecer e abordar toda a engrenagem da moda. “Quem não lê, não escreve”, crava Andreia Meneguete. ”Ter fundamento para falar de moda e um olhar apurado são essenciais para textos com bons insights”, completa a jornalista.
Ponto de análise social: a jornalista Juliana Romano na Elle Brasil revelam novas formas de representação do corpo que ganha força com o tempo
Reunião de pauta para o futuro
“Cada vez que aparece um suporte, vemos como existem muitas maneiras de comunicar moda”. Essa frase da jornalista resume bem o que o jornalismo de moda tem passado nos últimos anos. Acompanhando transformações sociais e tecnológicas, os formatos da notícia também mudaram.
Boa parte dos jornalistas de moda foram formados por redações de jornal e revista. Formatos de mídia consagrados, a qualidade de textos e imagens cativou leitores por gerações. Editores de conteúdo, assistentes, redatores, repórteres e estagiários iam à loucura desde reuniões de pauta para programar edições até fechamentos com prazos insanos.
O conteúdo: a pauta é a alma da revista, é nela que se constrói o posicionamento da linha editorial adotada pelo veículo de moda
Hoje, a revista mudou suas estratégias para se manter relevante no mercado. O que somente as editoras de moda sabiam o que acontecia nos desfiles, as redes sociais escancaram para o mundo ao vivo. Com a conectividade sem fio e sem limites, surgiram outras formas de noticiar moda. “A revista deixa de ser apenas um produto impresso e se torna uma marca que se posiciona no universo digital”, reforça Andreia Meneguete.
Um caso que repercutiu bastante é a Elle Brasil. Em 2018, a revista impressa foi descontinuada pela Editora Abril. Três anos depois, o título volta pela Editora Papaki como um site, com podcast semanal e com edições impressas trimestrais em acabamento de luxo. Em questões de estilo, a revista, hoje, por ter uma durabilidade maior, prioriza pautas e textos mais analíticos, com conteúdo mais apurado e premium. São novos tempos e outra experiência de leitura.
Para a produção de conteúdo digital, o texto também se adaptou. Obedecendo às regras de SEO (Search Engine Optimization) que ajudam a ranquear textos em sites de busca, as matérias ficaram mais enxutas, com palavras-chave bem destacadas, boas imagens e timing certeiro de publicação para conquistar cliques e engajamento nas redes sociais.
Andréia Meneguete, jornalista e fpunder da IAM Inteligência de Moda, acredita que é possível pensar e fazer moda com consistência e construção de um pensamento crítico
De todos os momentos que já viveu no jornalismo, Andreia Meneguete afirma que a criação da I AM Inteligência em Moda foi um grande insight para reunir ideias, pessoas e muito trabalho.
Com toda a intensidade e a criatividade de sua criadora, a plataforma encontra seu jeito de falar de moda de forma colaborativa, com pautas consistentes sobre mercado, consumo e jornalismo de moda. “Vou percebendo cada vez mais que a I AM é mais do que uma plataforma de conhecimento. Não teria algo tão mais a minha cara do que a I AM”, se entusiasma a jornalista em post comemorativo aos 3 anos de sucesso do projeto.