Encontros virtuais já são parte do nosso cotidiano em tempos de distanciamento social. O que a pandemia separou, a tecnologia tenta aproximar por telas, microfones e fones de ouvido. Em meio a problemas de conexão, Isabelle entrou na sala com um sorriso doce e muita paciência para ajustarmos a câmera três vezes pelo menos. O novo normal já tem seus hábitos.
Izabelle Palma é uma das vozes que estão fazendo mudanças no mundo e na moda. Aos 28 anos, a escorpiana determinada juntou dois campos bem-sucedidos na carreira: moda e inclusão. Recentemente, foi considerada pela revista Forbes com uma das 30 pessoas que estão mudando os rumos da moda. Seu nome está na 30 under 30, lista que elege jovens personalidades que se destacam no mundo corporativo.
Travessia
Em uma tarde ensolarada em Orlando nos Estados Unidos, Isabelle se locomovia em sua cadeira de rodas pela rua para se encontrar com sua mãe. “O senhor pode me ajudar?”, ela perguntou na faixa de pedestres. “Não, não posso”, respondeu o senhor com naturalidade a sua frente. Naquele mesmo instante, Isabelle começou a refletir sobre sua condição de pessoa com deficiência.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) afirma que 24% da população brasileira possui algum tipo de deficiência. São 47 milhões de vidas convivendo com uma realidade ainda pouco inclusiva e que enfrenta muitas barreiras sociais.
A Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, estabelece o Estatuto da pessoa com deficiência que engatinha em sete anos de conquistas para uma vida adaptada. Rampas, corrimões, banheiros e elevadores são apenas os primeiros de muitos passos para aqueles que convivem com a deficiência no Brasil.
Historicamente, a acessibilidade começou com a Guerra do Vietnã. Com a volta dos soldados com deficiência dos campos de batalha, os Estados Unidos incorporaram adaptações em lugares públicos com calçadas rebaixadas, pisos táteis e outras necessidades que cresciam com o tempo. “Lá, eu atravessava a rua sozinha”, comenta Izabelle sobre a temporada de dois meses que passou nos Estados Unidos para estudar Inglês.
Pensando nessa condição e na diferença de realidades com uma infraestrutura que existe há mais tempo, é possível rever a resposta daquele senhor. Novas perspectivas para novas mentalidades.
O início
Izabelle Palma nasceu com mielomeningocele, uma má formação na medula pela deformidade de suas últimas quatro vértebras. Um detalhe perto de sua representatividade e entusiasmo pela vida e pelo trabalho.
A caçula de três irmãos e dona de uma cachorrinha exigente de atenção queria muito se aventurar no jornalismo investigativo. Quando passava de carro em frente à Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), em São Paulo, sua mãe sempre dizia: “Você vai estudar aqui, Belly”. “Vou fazer Jornalismo. Não quero Administração”, ela contou aos risos. Com o tempo e com as transformações na empresa da família que atravessa gerações, seu caminho profissional encontra a Administração. “E não é que minha mãe tinha razão?”, comenta com um sorriso no rosto.
Durante a faculdade, seus olhos crescem para o empreendedorismo. Isabelle também sentiu dificuldade em encontrar estágio por sua deficiência. “Eu chorava nas madrugadas porque via meus amigos conseguindo e eu não”, recorda. Sempre muito estudiosa (“a louca dos livros”, segundo ela mesma), cresce seu interesse por um curso sobre inclusão e percebe uma área fértil para os negócios. Por experiência própria, seria possível ajudar empresas a se adaptarem à realidade dos deficientes. “Eu entendia os dois lados: a empresa e a inclusão”, conclui.
Entre os corredores e salas de aula da FAAP, Izabelle também encontrou nossa founder Andreia Meneguete quando foi aluna do curso livre em Jornalismo de moda. O olhar visionário dessa escorpiana também percebeu que dois campos poderiam dar as mãos pela representatividade de seu lugar de fala: moda e inclusão. Até hoje, Isabelle e a moda nunca mais foram as mesmas.
Statement sob rodas
“Eu achava que moda acabava em tecido”, declarou Izabelle sobre a época em que associava roupas apenas à futilidade. Nas aulas do professor e historiador João Braga, percebeu, entre tantas mudanças no vestuário, que se falava muito pouco sobre roupas para deficientes. “O interesse das pessoas era grande pelo que a moda inclusiva representa”, acrescenta quando mencionava que tinha interesse em trabalhar com moda nesta perspectiva.
De lá para cá, Isabelle Marques se tornou a Belly Palma. Ela encontrou seu propósito quando percebeu que seu lugar de fala representa tantas pessoas com deficiência mundo afora. “Quero mudar o conceito de pessoa com deficiência com olhos de pessoa mesmo”, afirmou convicta.
Um feed e stories bastante espontâneos fazem um perfil do Instagram revelar seu cotidiano com humor e leveza. Muito além de peças com adaptações funcionais para a realidade do corpo do deficiente – como zíperes laterais de camisetas e velcros em calças ou modelagem para pessoas com deficiência motora -, a roupa representa a identidade e a realidade de quem a veste.
Foi com esse propósito que Belly encontrou a I AM Inteligência em Moda, um hub de conhecimento para quem gosta e faz moda com mentorias, cursos, palestras e grupo de estudos. “Eu me identifiquei muito com a IAM porque somos levados a conhecer a nossa versão de moda”, declarou.
Sua experiência nos negócios começa com a criação da Vinclus, um serviço de consultoria focado em soluções inclusivas para marcas de todo o tipo. Seu propósito é avaliar o grau de necessidade de cada cliente para criar soluções sob medida, fomentando a cultura da inclusão no trabalho.
Belly já foi destaque em desfiles e estrelou campanhas para uma rede de fast fashion. Protagonizou editoriais para revistas de moda e desfiles na São Paulo Fashion Week. Nesses eventos, Belly foi convidada para ser gestora do Programa de Moda Inclusiva da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo. Em dois anos de gestão, foi responsável por coordenar cursos de moda inclusiva no poder público. Mais uma vez, seu olhar era empreendedor e consciente de sua representatividade.
Um futuro chamado inclusão
Recentemente, Belly participou do relançamento da Júlia Pak Atelier, uma marca especializada em vestidos de noiva sob medida. Em 2018, a criadora, Júlia Pack, criou o projeto MEL (Mulheres de Espírito Livre) com roupas para todos os tipos de corpos. Reestruturando as estratégias da marca, a campanha foi feita em parceria com Belly.
Duas mulheres de espírito livre e com muita inovação. Não à toa, Belly fez parte da lista 30 under 30 da Forbes que elege jovens empreendedores que estão se destacando no mundo corporativo. Segundo a revista, Belly estaria dando um novo rumo na moda. Com tantas batalhas e conquistas, ela enfatiza que “a moda quer aprender a ser plural e as pessoas estão dispostas a aprender”.
Dar visibilidade ao deficiente, entender suas necessidades e respeitar cada uma delas é ser livre e viver com muitas possibilidades. Com esse espírito inspirador, ela planeja reestruturar seu serviço de consultoria no alcance de mais formas de inclusão. “Nada do que eu faço é só para a Belly. Sei que tenho que representar humildemente toda a comunidade de pessoas com deficiência. Isso é muito desafiador, mas quero cumprir a minha missão com muito amor, responsabilidade e profissionalismo”, explica.
De tudo o que ainda temos para amadurecer o pensamento inclusivo no país, iniciativas são válidas para mudar nossa realidade e torná-la acessível a todos. “O que vale é a ação”, concluiu Belly com brilho nos olhos.
“Nada do que eu faço é só para a Belly. Sei que tenho que representar humildemente toda a comunidade de pessoas com deficiência”, afirma a indicada para a lista 30 under 30, da Forbes, como uma das pessoas que estão dando novos rumos à moda.