Em tempos de pandemia do novo Coronavírus, a máscara de proteção tornou-se uma medida de segurança obrigatória. Incorporado ao cotidiano, o item saiu dos hospitais para o rosto de muitos. Neste cenário, marcas e profissionais de moda utilizaram a nova imagem para traduzirem o que vivemos hoje: desejo de proteção, recolhimento e resistência.
O conglomerado francês LVMH (Louis Vuitton, Dior etc) atua na produção e comercialização, assim como doação, do acessório e de álcool em gel. Contudo, a presença dos logotipos e o preço (a máscara já esgotada da Vuitton custava, aproximadamente, R$ 498,00) fez surgir uma questão: temos espaço para ostentação em plena pandemia?
No Brasil, a Osklen causou polêmica ao vender um kit com duas máscaras por R$ 147,00. Em esclarecimento à revista Veja, a marca afirmou que entende que o produto seja feito para a defesa da saúde e que vai produzir 50 mil unidades para serem doadas a profissionais da área.
Previamente aderindo ao acessório, a Off-White apresentou máscaras de proteção em sua coleção primavera 2019. Créditos: reprodução revistamarieclaire.globo.com
É interessante perceber a distorção da funcionalidade do objeto. O que era para proteger, agora também é afirmação de status. Sintoma de novos tempos? As redes sociais nos ajudam a responder.
FaceTime
Nas ruas de Paris, o fotógrafo Leo Faria registrou anônimos com máscaras de proteção em fevereiro deste ano. O seu Instagram flagra cenas como uma ida ao mercado, onde o objeto marca o cotidiano de diferentes pessoas com estilos variados.
A necessidade de proteção e recolhimento foi captada pelo olhar street style do fotógrafo Leo Faria. Nas ruas de Paris, anônimos incorporaram a máscara ao look do dia a dia em diversos estilos. Créditos: reprodução @leofaria
“Fotografar é atribuir importância”, afirma Susan Sontag, crítica de arte americana. O olhar streetstyle capta essa premissa ao voltar suas lentes à face humana.
Em sua ancestralidade, as máscaras representavam os seres sobrenaturais, as divindades e os antepassados. Ornamentadas em diversos materiais (madeira, metais, couro, peles, tecido etc), essa forma de cobrir o rosto foi modificada com o tempo e com a cultura que a adotava.
Já na área médica ocidental, o seu surgimento está relacionado à prevenção de doenças. Existem registros de pinturas renascentistas que retratam pessoas com o nariz coberto com lenços para evitar o contágio.
Atualmente, a máscara simboliza também uma nova necessidade latente. Além dela, outras atitudes e elementos alteraram o modo de estar no mundo: a frequência com que lavamos as mãos, o uso de álcool em gel, o trabalho remoto (quando possível), a dissolução de aglomerações e, em muitos casos, a obrigatoriedade em ficar em casa (lockdown).
Redimensionar
Novos significados surgem da imagem das máscaras. O rosto amarrado coloca as pessoas em uma posição de temor diante do mundo. Com a boca e o nariz tampados, palavras são caladas e o faro instintivo é inibido. É necessário viver com alcances reduzidos.
Além disso, é inegável perceber que o bloqueio e a diminuição do ritmo de vida nos fizeram refletir mais sobre o que, de fato, estamos fazendo.
O repensar das atividades do cotidiano, as rotinas de trabalho e a forma como nos relacionamos uns com os outros é um estranhamento (ainda) em fase de adaptação. Essa é a mensagem trazida pela imagem abaixo, do jornalista Jorge Grimberg.
Divulgando uma microempresa de uniformes que parou suas atividades e começou a produzir máscaras em tecido, o jornalista Jorge Grimberg usou o item com a inscrição Reset. A palavra nos faz repensar formas de agir e se posicionar neste novo contexto. Créditos: reprodução @jorgegrimberg
A ascensão do digital reflete bem essa mudança ao redefinir formas de interação entre as pessoas. Cursos, visitas guiadas a museus e o crescimento do e-commerce são algumas atividades que foram repensadas e acabaram por modificar (ou fortalecer) hábitos de consumo.
Nesta nova configuração, o que resta da face humana são os olhos. Cansados ou não, direcionam os próximos passos em direção a um futuro pós-pandemia.
“É preciso estar atento e forte”, já alertavam Caetano Veloso e Gilberto Gil. É um recado para os dias que contamos para acabar, mas não sabemos quando e como. Talvez o refrão da canção nos ajude a ver a realidade com olhos mais críticos e conscientes, ajustando as lentes de nossas câmeras para enquadrar e ressignificar nossas próprias atitudes.